Enquanto cerca de 600 manifestantes indígenas, ribeirinhos e ativistas
ambientais ocupam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte e fecham a Rodovia Transamazônica, na altura do quilômetro 50, em
Altamira (PA), para protestar contra a instalação do empreendimento, a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) afirmou hoje (27) que etnias
indígenas estão em risco com a instalação da barragem na Bacia do Rio
Xingu.
Durante debate no 35º Encontro Anual da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a
professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Sônia Magalhães, que
desde 2007 estuda comunidades afetadas, alerta que impactos ambientais
não constam dos estudos sobre o empreendimento e denuncia que
condicionantes para a instalação da usina como a desintrusão de
invasores das terras indígenas não estão sendo cumpridas.
“Por
meio de modelos matemáticos e de engenharia, o consórcio [responsável
pela obra] diz que o rio [Xingu] não corre o risco de secar. Não é o que
os índios pensam. Pela sua experiência, os velhos estão seguros do
contrário e não há modelo matemático que os convença do contrário”,
disse. “Eles contam que na época de seca, com a diminuição da vazão do
Xingu, peixes podiam ser retirados do rio já cozidos. Imagine como será
com a diminuição da vazão”, questionou.
Integrante da Comissão de
Assuntos Indígenas da ABA e pesquisadora do povo Xikrin do Rio Bacajá -
afluente do Rio Xingu - há 20 anos, Cibele Cohn afirma que os índios
não conseguem expor sua opinião ou se defender dos impactos das obras
porque não foram informados adequadamente sobre o projeto. Segundo a
professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), há menos de
um mês, quando viram pela primeira vez fotos de outras barragens, houve
reações inesperadas.
“Até esse ano, os Xikrin nunca tinham visto a
foto de uma barragem”, afirmou ao relatar uma reunião organizadas pelas
lideranças nas aldeias. “Em uma cena muito marcante, quando um dos
velhos viu um paredão de uma barragem semelhante ao que será construído,
ele disse: é muito pior do que eu estava esperando”, narrou a
antropóloga. A Fundação Nacional do Índio (Funai), por outro lado,
informa que promoveu 38 reuniões e quatro audiências públicas nas
aldeias.
Acolhendo as denúncias dos índios, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, braço da Organização dos Estados
Americanos (OEA), também não considerou as consultas da Funai adequadas.
Em abril, por meio de medida cautelar, determinou que o Brasil
interrompesse a instalação da usina até que as consultas fossem refeitas
de forma “livre, informativa, de boa fé” e em língua indígena, “com o
objetivo de chegar a um acordo” com as sete etnias afetadas. As consulta
também são alvo de ações judiciais no Brasil.
Para cobrar a
paralisação das obras da usina até o cumprimentos das condicionantes
estabelecidas para a instalação da hidrelétrica, povos indígenas do
Xingu fazem uma grande manifestação em Altamira hoje (27), de acordo com
a liderança do povo Arara, da aldeia Terrã-Wangã, Josinei Gonçalves,
que participou do debate. Ele contou que as comunidades estão
“assombradas” com os impactos e querem negociar as mitigações
diretamente com a Presidência da República.
“São três pontos
principais: a diminuição da vazão de rios que não nos permitirá,
principalmente, chegar a Altamira, onde estão os serviços públicos e
onde vendemos farinha, a diminuição dos peixes e o desmatamento, além
dos conflitos por terra”, destacou Josinei que, assim como o cacique de
sua aldeia, foi ameaçado de morte por colonos que invadiram terras
indígenas atraídos pela obra. De acordo com o indígena, sem “conversas”
não há prazo para fim da ocupação.
Em 35 anos de encontros
nacionais da Anpocs, esta foi a primeira vez que a organização convidou
um representante da sociedade organizada para participar de uma
discussão. (Abr)
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