sábado, 10 de dezembro de 2011

Entrevista: Dividir vai multiplicar a carência e a miséria

É chegada a hora: amanhã, os eleitores paraenses vão decidir o destino do Pará, o segundo maior Estado brasileiro em superfície, com mais de 16% do território nacional, o que representa mais de duas vezes o território da França. A realização do Plebiscito que propõe a criação de dois novos Estados – Tapajós e Carajás – acirrou os ânimos entre as correntes que defendem uma ou outra proposta.
Em todos os debates dos quais participa, a deputada federal Elcione Barbalho (PMDB/PA), prega a moderação. “Não é hora para exacerbarmos os sentimentos. É necessário ponderação e reflexão no momento de dar seu voto na urna”, repete ela entre inúmeros questionamentos que tomaram conta das redes sociais nas últimas semanas.
Elcione, que é contrária à divisão, reconhece o abandono histórico de algumas regiões. “Não sou parlamentar de gabinete. Percorro este Estado de norte a sul, leste a oeste, pois tenho votos em todas as regiões, e sei que o sentimento de abandono é real, é lícito e agora despontou com o advento do plebiscito”, destaca. Ela lembra, no entanto, que não é com a divisão que serão consertadas adversidades sociais históricas. “Dividir esta carência, sem melhorar os índices sociais e educacionais, a logística e a infraestrutura é multiplicar a pobreza. Sem estas ações de governo, quanto menor o Estado, maior será a miséria”, ressalta.
Nesta entrevista ao DIÁRIO, Elcione ressalta que o rescaldo do plebiscito pode significar um bom momento para a mudança de governança para o Estado. Ela lembra que o principal foco dos políticos paraenses deve ser pela recuperação das perdas dos Estados produtores desde a aprovação da Lei Kandir, e acrescenta que, quando foi colocada em votação na Câmara dos Deputados, ela votou contra o projeto de Lei, inclusive indo contra a orientação da bancada do PMDB na época. Ela lembra que o Pará já perdeu mais de 15 bilhões em arrecadação de ICMS.
Elcione também concorda com a criação da Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerais (TFRM), proposta pelo governador Simão Jatene, já encaminhada à Assembleia Legislativa do Pará. É favorável também à taxação da exploração da energia elétrica nos rios paraenses.
P: A senhora tem se posicionado contra a divisão do Pará, mesmo sabendo que defender uma bandeira como essa pode afetar seu futuro político.
R: Não se pode analisar este momento que estamos passando apenas do ponto de vista político. Estamos falando de um Estado que tem história, que tem cultura. É um Estado grandioso para o qual falta apenas instituir um novo modelo de governança priorizando investimentos na educação, qualificação profissional e infraestrutura. É a forma de gestão que está errada e precisa ser mudada.
P: Em quais dados a senhora se baseia para sustentar a tese da inviabilidade econômica da divisão?
R: Os argumentos usados pelas duas frentes contrárias à divisão, que apontam a inviabilidade econômica do Pará dividido, têm como base estudos e dados levantados por instituições sérias. O estudo do economista do Ipea (Rogério Boueri), por exemplo, ressalta a questão da divisão da pobreza, caso a criação dos dois novos Estados seja aprovada nas urnas. Nesta semana o Sindicato dos Auditores Fiscais divulgou um manifesto reforçando aquilo que já havia sido dito pelo Ipea. De acordo com o documento, ao contrário do que estão dizendo, o repasse de recursos do FPE (Fundo de Participação dos Estados) não será aumentado com a criação dos dois novos Estados, ou seja, a parte que cabe ao Pará, que é de pouco mais de 6%, vai ter que ser dividida, caso passe a proposta de divisão. E a fatia que vai ficar para os dois novos Estados não cobre sequer as despesas administrativas. Ou seja, os aspectos econômicos abordados pelo Ipea e pelos auditores fiscais mostram claramente aquilo que venho dizendo: não é o tamanho do território a causa do atraso do Pará. Dividir esta carência, sem melhorar os índices sociais, educacionais, a logística, a infraestrutura é multiplicar a pobreza. Sem estas ações de governo, quanto menor o Estado, maior será a miséria.
P: Sempre que se fala em arrecadação, volta à tona a questão da Lei Kandir...
R: Esta é outra grande disparidade, uma situação absurda que pode ser a causa de tantas dificuldades que enfrentamos no nosso Pará. Nosso Estado ocupa a segunda colocação da balança comercial do País, atrás apenas de Minas Gerais, é o segundo maior exportador de minério de ferro do Brasil. O problema é que este produto está isento de taxação do ICMS, nossa principal receita, desde a regulamentação da famigerada Lei Kandir (que isenta da cobrança de ICMS produtos voltados à exportação, como o caso do minério de ferro).
Acumulamos perdas exorbitantes que chegam a mais de 15 bilhões. Na época eu votei contra a Lei Kandir, inclusive contrariando a orientação do meu partido. Acredito também que a criação da Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerais (TFRM), proposta pelo governador Simão Jatene, pode ser uma forma de compensar uma parte da perda de recursos que o Pará tem sofrido desde a aprovação da Lei Kandir. Outro absurdo que precisa ser revisto é a taxação do imposto da energia que é retirada dos nossos rios no Estado que a recebe. Ou seja, não fica nada para o Pará, já que ele é o principal exportador de energia. Ou você não acha um absurdo o Linhão de Tucuruí passar por cima das residências dos paraenses sem deixar nenhum benefício para o Estado? E Belo Monte? Que poucos benefícios deixará para o Pará? A bancada paraense juntamente com a da Amazônia também precisa estar unida para travar em Brasília a luta pela redivisão mais igualitária dos royalties do Petróleo vindos do Pré-Sal.
P: A senhora defende outras propostas que podem contribuir para uma maior presença do Estado em todas as regiões do Pará...
R: Temos que pensar, por exemplo, na realização de um governo itinerante, aos moldes do que é feito hoje em Minas, com grande sucesso e que foi feito pelo governo do Jader (Jader Barbalho, ex-governador do Pará). É necessário que Governo - e governador -finquem suas bases nas regiões mais longínquas do Estado, buscando soluções como um todo. Aliás, é preciso lembrar que esse movimento separatista foi aplacado quando o então governador Jader Barbalho colocou a presença do Estado na região, levando energia para o norte e sul do Pará e construindo estradas, como a PA-150.
P: E qual pode ser a lição final após todo este momento que o Pará está vivendo?
R: Esta é uma oportunidade ímpar para discutirmos um novo modelo de desenvolvimento para o Pará. A maior reclamação é a ausência do Estado nestas regiões. E eles têm razão, estão certos. O governo realmente não chega a todos os lugares onde deveria chegar. Vou citar um exemplo: recentemente a Famep (Federação das Associações dos Municípios do Pará) realizou uma série de seminários nas diversas regiões do Estado para ouvir as demandas dos municípios. Procurei acompanhar todos esses seminários, até mesmo para entender de que forma é possível ao Parlamento socorrer esses municípios. A principal reclamação é a ausência do Estado, a falta de políticas públicas regionalizadas. Sei que a Famep entregou o resultado dos seminários com propostas ao Governo do Estado, mas não sei o destino que foi dado ao documento. De qualquer forma, é preciso entender que o modelo que foi implantado para a Amazônia, em cujas bases estamos até hoje atrelados, é o mesmo. Mas os erros passados não podem servir de sustentação para uma proposta tão dramática quanto a divisão de um Estado. O que deve vir, depois do plebiscito, é uma profunda análise dos problemas regionais que foram levantados agora. É um momento de se pensar em um Pará mais integrado e de reparar o abandono histórico que temos cometido com essas regiões que possuem este sentimento tão entranhado.

(Diário do Pará)

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