Dois milhões de pessoas irmanadas pelo mesmo sentimento
tranformaram as ruas do centro histórico da capital paraense em
verdadeiros braços de rio que desembocaram num gigantesco mar de gente
movida pela esperança, amor e devoção a Nossa Senhora de Nazaré.
Durante seis horas, as ruas, travessas e avenidas que ligam a Catedral
Metropolitana de Belém (Igreja da Sé) à Basílica Santuário de Nazaré
tonaram-se afluentes de fé, conduzindo fiéis vindos de todas as partes
do estado, do país e até do exterior na maior procissão católica do
mundo.
Entre as diversas homenagens feitas à
Rainha da Amazônia, pedidos, orações e agradecimentos por graças
alcançadas. Cada promessa têm um peso diferente, mas todas são em honra
à "Mãezinha", como é chamada por seus milhares de devotos e que é
conduzida majestosamente em sua berlinda dourada ornamentada com flores
coloridas. Ao soar dos fogos e das sirenes já se sabe: é ela quem está
chegando para abençoar seus filhos. De longe se vê a pequena imagem, de
pouco mais de 28 centímetros, deslizando sobre o mar de gente que se
acotovela para vê-la, nem que seja de relance, e renovar seus votos em
mais um Círio.
E mesmo assim, pequena e pouco
visível diante de todo o aparato que a cerca, ela produz feitos
gigantescos que vão da quantidade de pessoas que a seguem nas 11
romarias que antecedem a grande procissão e, no dia do Círio, que a
conduzem até a Basílica Santuário, ao enorme esquema de organização
montado para que a festa se realize todos os anos. Muitas e igualmente
diversas são as emoções que a imagem peregrina da padroeira dos
paraenses provoca a cada aparição.
Lágrimas,
preces, cânticos, alegria, fogos, luzes, rosas, chuvas de papel picado,
cartazes, "anjos" vestidos de anjos, sacrifícios, gratidão, admiração,
solidariedade a estranhos que se penitenciam num ritual silencioso - e
nem por isso menos respeitado - são algumas das muitas as reações e
homenagens de quem se vê diante da imagem da Virgem de Nazaré. Cenas
que só quem tem a oportunidade de estar em Belém nessa época do ano
consegue testemunhar. O Círio é assim, precisa ser vivido porque ainda
não consegue ser descrito em palavras.
Não por
acaso ele é considerado o Natal dos paraenses. O Círio tem o condão de
despertar mesmo em quem não é devoto ou não conhece a tradição dos
católicos locais sentimentos fraternos, transformando o Pará em uma
única grande família unida pelo amor à Virgem Maria.
Dedicação e solidariedade no trabalho voluntário
É assim para Cynthia Maia, que há 14 anos é voluntária da Cruz Vermelha
na procissão que acontece no segundo domingo de outubro. Funcionária
pública, ela acompanha o Círio desde os cinco anos e aos 14 resolveu se
voluntariar. Hoje ela coordena um dos 21 postos montados ao longo da
grande procissão e já presenciou situações que foram de simples torções
a paradas cardíacas. “Estar aqui é uma forma também de ajudar as
pessoas que cumprem suas promessas, principalmente porque a gente sabe
que o sentimento delas também é baseado no amor, assim como o nosso”,
diz.
Ao todo são 12 mil voluntários na Cruz
Vermelha, divididos entre os 10 grupos de maqueiros (equipe que
acompanha a procissão com macas) e os 21 postos de atendimento. Cada
posto contou com apoio da Secretaria de Estado de Saúde (Sespa), que
distribuiu 20 voluntários, entre médicos e paramédicos, para trabalhar
em conjunto com a entidade. Além disso, os hospitais e postos de
pronto-atendimentos de Belém receberam casos mais graves, como os de
fraturas e cortes.
Círio 2011 foi um dos mais tranquilos
Eram cinco da manhã e a Praça Frei Caetano Brandão, ou Praça da Sé, já
estava tomada pelos romeiros que acompanhavam a missa de abertura da
grande procissão do Círio 2011. Pouco mais de seis horas depois,
exatamente às 12h10, a romaria chegavam ao Centro Arquitetônico de
Nazaré para a missa de encerramento. Nesse percurso foram muitas as
orações e cânticos entoados à Virgem Maria, além das tradicionais
homenagens de queima de fogos, como a dos Estivadores e das
instituições bancárias localizadas ao longo da Avenida Presidente
Vargas, além das chuvas de papel picado e interpretações feitas por
atrações vindas especialmente para a festa, como a cantora Fafá de
Belém e o padre Fábio de Melo, que se apresentaram no palanque montado
em frente à Estação das Docas.
Na vibração de fé,
religiões e religiosidades se misturam. Grupos espíritas e
espiritualistas também renderam suas homenagens à padroeira do Pará,
demonstrando amor pela Mãe de Deus e quebrando paradigmas estabelecidos
pelas igrejas. Casos como do grupo do terreriro de Candomblé-Nagô, que
há seis anos acompanha a procissão, sem promessas, apenas com pedidos e
agradecimentos. "Temos um grande laço com o catolicismo e temos o Círio
como um laço de união e esperança, onde cada um pede o melhor pra si e
sua família. Por isso estamos aqui", afirma Telma Fernandes,
coordenadora do grupo de 15 filhos e filhas de santos que acompaham a
romaria.
O cantor Eloy Iglesias também compartilha
da opinião e sentimento demonstrado por Telma. Organizador da
tradicional Festa da Chiquita, que acontece sempre no sábado que
antecede a procissão do Círio, o cantor agora também aguarda a passagem
da imagem na Avenida Presidente Vargas, da arquibancada montada no
palco que horas antes recebia a celebração dita profana. “O Círio é uma
vigília eterna, seja por quem amanhece na procissão virado da Chiquita
ou pela dona de casa que passa a noite mexendo a panela de maniçoba.
Essa é uma celebração de festa, de alegria, as pessoas vêm cheia de
excessos, seja de comida, de religiosidade ou de fé. Por isso que
estamos aqui”, depõe.
Esquema de segurança garante tranquilidade na romaria
O 219º Círio de Nazaré foi um dos mais tranqüilos já vividos pelos
paraenses. Desde a organização da saída da imagem, da Catedral da Sé,
passando pelo atrelamento da corda à Berlinda, na Boulevard Castilhos
França até a benção final em Nazaré, tudo ocorreu dentro do previsto,
incluindo o tempo da procissão. Segundo o supervisor do Dieese, Roberto
Sena, este ano não foi preciso desatrelar a corda da Berlinda e nem
cortá-la para que se conseguisse manter o mesmo horário do ano passado.
"Foi uma das procissões mais tranqüilas e ocorreu toda dentro do
previsto”, afirmou.
Além dos romeiros, o Corpo de
Bombeiros do Pará, Defesa Civil e outros órgãos de segurança pública do
governo também colaboraram para a tranqüilidade deste Círio. Equipes de
segurança e saúde foram montadas mobilizando um total de 10 mil
servidores públicos estaduais. A Polícia Civil disponibilizou 200
funcionários para a cobertura da procissão, e Polícia Militar colocou
outros 3.500 homens dispostos em agrupamentos de Comandos de Operações
Especiais, garantindo a tranquilidade de quem saiu de casa desde cedo
para festejar mais um Círio de Nazaré.
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