domingo, 18 de dezembro de 2011

Mapa quer fim de preconceito

Os povos e comunidades tradicionais de terreiros de várias nações de origem afro-brasileira que atuam na Região Metropolitana de Belém (RMB) travam uma luta histórica contra o preconceito. Este ano, eles ganharam um aliado especial: a 'Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do Pará - religiões afro-brasileiras e ameríndias da Amazônia: afirmando identidades na diversidade', que vai ajudar no entendimento e importância dos cultos. O documento foi construído com o financiamento do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pré-lançada no dia 11 deste mês. A expectativa é que o mapa contribua para redução da intolerância religiosa.O mapa vai dar visibilidade às religiões afrobrasileiras cultuadas em Belém e Ananindeua e denominadas com várias nações: Angola, Jeje Savalu, Ketu, Mina Jeje Nagô, Umbanda e Pajelança. O trabalho foi coordenado pela professora de gradualção da Universidade Rural do Rio de Janeiro, Camila do Valle, especialista em diversidade étnica. A publicação revela as características próprias de cada nação, seus locais, formas de cultos e deuses.
O mapa aponta, por exemplo, que a nação Umbanda chegou ao Pará por volta da década de 30, trazida pela 'Mãe' Maria Aguiar. A nação foi resultado do cruzamento de linhas (sincretismo interno) que acabaram formando uma religião com suas próprias características, agregando-se Pajés e Caruanas, Encantados e Deuses para resultar em uma Umbanda amazônida. Durante uma oficina de Cartografia, realizada em junho de 2010, Mãe Vanda desabafou lembrando que 'a Umbanda resiste ao preconceito e reafirma a sua tradição através desse sincretismo'.
'A Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém é o que o governo negou aos afrorreligiosos, que representam uma parcela da população em cerca de 10% e, no entanto, não se estima no censo anual feito pelos centros de pesquisa populacional', afirma um dos executores do mapa, o professor universitário e fotógrafo Arthur Leandro ou 'Tatá Kinamboji', como é conhecido socialmente entre os religiosos afrobrasileiros. 
Ele conta, por exemplo, que por não haver educadores nas instituições de ensino, seja público ou privado, o estigma de que os praticantes das religiões de origem africana continua sendo visto como adoradores de deuses satânicos. Na opinião dele, como educador, somente a partir do momento em que a religião for discutida sem preconceito nas escolas, o fato poderá mudar culturalmente, garantindo assim, o direito das pessoas se manifestarem sem medo de ser identificada.
História mostra evolução das práticas
 Atitudes preconceituosas são histórias sem fim para quem segue religiões afrodescendente. Luiz Augusto Loureiro Cunha (Pai Tayandô Acaoã-Unimaz) recorda dos períodos difíceis das comunidades tradicionais de terreiro no Pará: 1908, quando mães e pais de santo eram proibidos de bater tambor; na década de 30 (1930), lembrada como a maior repressão contra os praticantes das religiões remanescentes da África; e o período da ditadura militar (1964 a 1985), quando foram registradas inúmeras prisões sob alegações diversas. 
'No dia 18 de março de 1908, a mãe de santo Doca foi presa porque batia tambor para Dom José. Ela chegou a ser levada para a delegacia, ficou na cela e depois foi liberada. Mesmo assim, ela voltou para o terreiro e continuou a bater tambor para os seus deuses', conta. Por causa desse gesto de coragem, o dia 18 de Março é lembrado pelos povos e comunidades tradicionais como o Dia Municipal e Estadual da Umbanda e dos Cultos Afros-brasileiros. 
Apesar de toda a intolerância, Pai Luiz deixa claro que é uma ação que não leva os povos e comunidades tradicionais de terreiro a cultivar a violência contra os que seguem religiões diferentes das deles, porém, isso não quer dizer que não buscarão 'armas' para se defenderem e, por este motivo, a cartografia é um instrumento para fazer com que todos - adolescentes, adultos e idosos de religiões afrobrasileiras - se baseiam de informações capazes de fazer valer o seu papel como cidadão brasileiro. O conselho que ele dá, além da aquisição de conhecimento, é estar em constante diálogo com outras religiões, tanto as cristãs como as não cristãs.
Mãe de santo é discriminada quando vai catar ervas na Ceasa
Dona Oneide Monteiro Rodrigues, que atende pelo nome social Memetu Nangetu (que significa mãe da raiz molhada), informa que o preconceito pode estar associado à desinformação. Além disso, segundo ela, a mídia fortalece o preconceito existente contra as religiões afro-brasileiras. 'Não querem nos respeitar como povos e comunidades tradicionais de terreiro e a mídia reforça esta intolerância', lamenta. Ao contrário do que se pensa, enfatiza a sacerdotisa, como assim é identificada por seus seguidores, 'nós não adoramos o satanás, mas os orixás, que são a natureza'.
Mametu Nagetu conta que o preconceito é tão grande, ao ponto de quando ela vai trabaçhar na coleta de ervas na estrada da Ceasa sofre discriminação. Os maiores autores são os vigilantes de prédios públicos, pessoas humildes e carregada de uma carga cultural preconceituosa. 'Nunca me expulsaram do local, mas já disseram que eu estaria sendo convidada a me retirar das proximidades do prédio, onde coletava as ervas', relata.
Conhecimento é arma para defesa contra perseguição na escola
 A luta para combater o preconceito começa desde cedo e a partir do conhecimento. Um adolescente, 13 anos, que preferiu o anonimato, é iniciante (Ogan) da nação Angola, e estudante de uma escola evangélica em Belém. Ele conta que não chegou, até o momento, a sofrer discriminação por sua identidade religiosa, porém, lembra que chegou a presenciar uma amiga sendo discriminada porque trajava roupas e adereços brancos. 'No começo escondia minha religião porque entrei novinho e na escola dizia que era católico. Mas, agora, aprendi a me defender também. Para isso, me preparo conhecendo as leis para eu saber como fazer esta defesa', diz o menino, já demonstrando confiança nas palavras. 
Ele conta que durante uma das aulas, a professora de Ensino Religioso fez uma explanação sobre todas as religiões, entretanto, quando chegou às religiões afrobrasileiras, citou superficialmente e ele reagiu com questionamento. Na opinião dele, o desconhecimento do professor e a carga preconceituosa levou ele a um comportamento que não corresponde a de um educador. 'Mas, a minha insatisfação me levou a uma outra professora de Educação Religiosa da minha escola, que contou a sua origem nas religiões afro-religiosas. Apesar de ser evangélica, ela é esclarecida, mas porque a mãe dela era mãe de santo. Então, a forma de ensinar dela não é de uma pessoa leiga, mas de que conhece e respeita as diferentes religiões', ressalta.




Fonte: Jornal Amazônia

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